Trabalhadores da saúde que atuam na rede municipal de Fortaleza têm enfrentado atrasos salariais acumulados desde o ano passado. Vinculados a cooperativas, eles denunciam que há vencimentos referentes a 2024 e a 2025 que ainda não foram pagos. Alguns têm deixado os postos de trabalho. De acordo com o Sindicato dos Médicos do Ceará (Simec), os profissionais afetados atuam nos postos de saúde, no Hospital da Mulher e nos Frotinhas e Gonzaguinhas de Fortaleza, por meio de entidades como a Cooperativa Ginecologistas Obstetras do Ceará (Coopego) e Cooperativa de Atendimento Pré e Hospitalar (Coaph).
O Simec chegou a alertar para a possibilidade de paralisação de alguns atendimentos devido à “inadimplência”.
Ao longo dos três dias de apuração para esta reportagem, o cenário de pagamentos mudou. Até o dia 13 de maio, médicos reclamavam sobre o não recebimento dos salários de outubro e novembro de 2024, além de março e abril deste ano. Nesta quinta-feira (15), os débitos de março de 2025 estão pagos, segundo a prefeitura e as cooperativas. A informação foi confirmada por uma das médicas ouvidas aqui.
O prejuízo do trabalho não remunerado tem afetado as finanças e até a saúde de Débora Magalhães, médica de família e comunidade de um posto de saúde na Regional II de Fortaleza. Para ela, já estavam somados quatro meses de salário atrasado: outubro e novembro de 2024, março e abril de 2025. O valor de março foi pago ontem (14).
A médica atua na rede municipal há quatro anos: por dois e meio, tinha vínculo direto com a prefeitura, via Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT); e após isso foi contratada como cooperada da Coaph. “Desde então, os salários nunca foram pagos em dias. A cooperativa culpa a SMS”, relata Débora.
Ela afirma que alguns profissionais chegaram a se reunir com representantes da SMS, no início deste ano, mas que “não foi dada nenhuma solução, já que os atrasos de 2024 são da gestão anterior. “Isso não afeta só os médicos, mas farmacêuticos, enfermeiros e técnicos também. Todos são prejudicados”, frisa.
Débora afirma que já precisou recorrer a empréstimos para quitar “o que é inadiável”, como a casa. “É desesperador, já não durmo direito, estou sob uso de medicação pra conseguir trabalhar, com o nome negativado. Não tem como mensurar o prejuízo financeiro, psicológico e moral. Quem é que trabalha bem sem receber?”, lamenta.
A Secretaria Municipal de Saúde (SMS) informou, em nota no dia 13 de maio, que “não houve interrupção dos procedimentos médicos e cirúrgicos na Capital”, e que foram repassados, “somente em 2025, mais de R$ 13 milhões à Coaph e mais de R$ 5 milhões à Coopego, responsáveis pelo pagamento dos profissionais cooperados”.
A Pasta reforçou que “os pagamentos ocorrem após a auditoria dos serviços de saúde prestados”.
Em uma segunda nota, no dia 14 de maio, a secretaria atualizou que “tem conseguido honrar com os pagamentos, não registrando débitos na área”. “Os pagamentos de janeiro, fevereiro e março da Coaph e da Coopego foram realizados, com valores já repassados às instituições superando os R$ 20 milhões”, frisou. Fonte ouvida pelo Diário do Nordeste confirmou que “alguns profissionais receberam o salário de março” nessa quarta-feira (14).
O processo de pagamento referente ao mês de abril, contudo, “está em análise de documentação dos serviços prestados pelas respectivas cooperativas, e, após concluída a análise, será efetivado pagamento”, garantiu a SMS. “Os débitos não pagos pela gestão anterior (outubro e novembro de 2024) serão honrados pela atual administração em data posterior, a ser discutida com as cooperativas”, finaliza a nota.
A edição do Diário Oficial do Município (DOM) de 30 de janeiro deste ano registra portarias reconhecendo “dívidas da gestão anterior” com cooperativas como a Coaph e a Coopego, nos seguintes valores:
A reportagem entrou em contato com a Coopego para saber se a entidade teria interesse em se posicionar sobre o assunto, justificando os atrasos. Em nota, a administração reconhece que “de fato, enfrenta dificuldades relacionadas aos atrasos de repasses da SMS, o que impactou temporariamente os pagamentos aos médicos cooperados”.
A cooperativa pontua que dos quase R$ 5 milhões recebidos da gestão municipal em 2025, “R$ 3,5 milhões correspondem a serviços prestados ainda em 2024”, e cita que enfrentava “atrasos significativos nos pagamentos dos plantões dos médicos” referentes a novembro de 2024 e janeiro a março deste ano.
No início de maio, porém, acrescenta a Coopego, uma reunião com a SMS viabilizou a renovação do contrato até maio de 2026. “A partir dessa regularização, os pagamentos começaram a ser empenhados e, nas últimas 48 horas, recebemos os valores referentes aos plantões de janeiro e fevereiro de 2025, totalizando R$ 2,2 milhões.”
Ainda na nota, a entidade afirma que “permanece pendente o pagamento dos plantões realizados em novembro de 2024” nos Gonzaguinhas da Barra do Ceará, do José Walter e de Messejana, além do Hospital da Mulher; “bem como os plantões de março de 2025, cujo pagamento está previsto para ocorrer neste mês, conforme compromisso da SMS”.
Por fim, a cooperativa reforça que “mesmo sem o devido recebimento, manteve e manterá a prestação dos serviços médicos em todas as unidades em que atua, contando com o compromisso dos médicos cooperados, que entenderam a importância da continuidade dos atendimentos à população”.
Já a Coaph, também em nota, declarou que os valores já repassados pela prefeitura foram para “cumprimento de contratos públicos efetivamente executados por profissionais cooperados”, e que “quase a totalidade corresponde à folha de pagamento dos cooperados e aos encargos legais”.
A empresa afirmou ainda que “todos os recursos recebidos são integralmente repassados aos cooperados que efetivamente prestaram os serviços, no prazo máximo de 48 horas após o recebimento dos valores”.
Por fim, a Coaph ressaltou que “todas as informações sobre repasses, faturamentos e pagamentos são periodicamente prestadas com total transparência aos cooperados e às partes interessadas, em alinhamento com os princípios do cooperativismo”.
Fonte: DN