O jornal Gazeta do Povo revelou em uma pesquisa feita por jornalistas, que no último ano, as 27 secretarias da Segurança Pública destinaram mais recursos públicos em processos de compra com dispensa ou inexigibilidade de licitação em tecnologia da informação, acesso à internet, equipamentos eletrônicos e afins do que em armas, munições e equipamentos de proteção. Os estados gastaram em 2023 cerca de R$ 350 milhões em equipamentos, serviços de tecnologia e acesso à internet, de um total de quase R$ 1 bilhão gasto em compras sem licitação, mostra o levantamento.

Em parte dos casos, a compra sem licitação foi o caminho adotado sob a justificativa de uma determinada empresa deter a exclusividade do serviço ou produto, principalmente em aquisições relacionadas a softwares de investigação e monitoramento policial.

Na outra ponta, houve menos de uma centena de processos para a compra de armas, munições letais e não letais e coletes balísticos, por exemplo. Estes contratos somaram menos de R$ 100 milhões em aquisições e empenhos sem concorrência.

A justificativa pode estar, segundo órgãos como o Ministério da Justiça e Segurança Pública, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública e o Observatório da Segurança Pública, em uma suposta mudança de perfil da criminalidade e, consequentemente, na necessidade de novas técnicas de investigação, que evoluíram de forma interligada aos sistemas de apuração avançada, de uso exclusivo das forças policiais.

Além do incremento nos crimes cibernéticos, como fraudes online e ataques de hackers, os sistemas oficiais miram no rastreamento de sofisticadas técnicas utilizadas pelo tráfico de drogas e lavagem de dinheiro. “Para combater esses crimes, as Secretarias de Segurança Pública precisam investir em equipamentos e softwares especializados”, considerou o Ministério da Justiça.

Para o órgão do governo federal, há ainda a necessidade de integração das forças de segurança, que exigiria investimentos para facilitar a comunicação e o compartilhamento de informações entre as diferentes corporações, além do monitoramento e serviço constante de inteligência policial.

Também com base em informações do Ministério da Justiça, esses investimentos abrangem a prevenção de crimes, aliada à possibilidade de reconhecimento facial imediato e à investigação de fraudes por meio da análise de imagens e dados de celulares.

A pasta justifica, de uma maneira ampla, a necessidade de modernização das polícias por um custo-benefício mais vantajoso do que a compra de armas e munições, “tornando-as mais eficientes e eficazes no combate à criminalidade”. Para o órgão do governo federal, a tecnologia pode ser um fator de impacto na redução da criminalidade a longo prazo, considerando que esses investimentos também podem promover transparência e accountability (responsabilização).

Compras sem licitação podem desencadear onda de fraudes

Apesar da necessidade de tecnificação e aperfeiçoamento investigativo na área da segurança pública, há um alerta quanto ao elevado número de aquisições milionárias com dispensa ou inexigibilidade de licitações, reforça a diretora de programas do Transparência Brasil, Mariana Atoji.

A quantidade desses contratos entrou para o radar da organização da sociedade civil que busca mais transparência e apuração nos gastos públicos. “Temos identificado um número muito elevado dessas compras nos estados sem licitações, muitos contratos sem especificações”, aponta ela. A equipe do Transparência Brasil diz ter dificuldade para acessar os dados em portais da transparência “que funcionam mal e não estão padronizados”, acrescenta Mariana.

Se há uma vasta lista de itens elencados como materiais de informática e tecnologia nesses contratos, ela vem acompanhada de valores elevados sem concorrência pública e, conforme aponta o Transparência Brasil, sem muitas especificações, como justificativas claras sobre as utilidades para o trabalho da polícia. Dificuldades encontradas também pela reportagem da Gazeta do Povo durante a apuração, como restrição de acesso a planilhas e processos detalhados de compras e contratações.

Fonte: Gazeta do Povo

COMENTAR