O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes virou alvo, na última quarta-feira (19), de uma ação judicial nos Estados Unidos movida pelo Trump Media & Technology Group (TMTG). O caso tramita em um tribunal federal na Flórida e pode se tornar um símbolo global contra a onda de censura de usuários das redes sociais por autoridades estatais. “As ações do ministro Moraes, se não forem contidas, poderiam criar um precedente perigoso, no qual tribunais estrangeiros poderiam rotineiramente impor suas leis sobre empresas americanas, caso escolham ignorar os canais legais estabelecidos, ameaçando os princípios fundamentais da soberania dos EUA, da liberdade de expressão e do discurso aberto”, afirmam os advogados das empresas.

O foco imediato da ação é um conjunto específico de “gag orders” – ordens de mordaça – expedidas por Alexandre de Moraes contra um usuário em particular das redes Rumble e Truth Social (que é do TMTG), identificado no texto como “Political Dissident A” (“dissidente político A”). É bastante provável que se trate do jornalista Allan dos Santos, que mora nos Estados Unidos.

Moraes mandou intimações aos Estados Unidos pedindo às duas redes a suspensão dos perfis dele, a proibição de que ele crie novas contas e o bloqueio de monetização ou de recebimento de doações.

Para o Rumble e o TMTG, as ordens judiciais emitidas pelo ministro são inconstitucionais sob a perspectiva norte-americana, já que seus atos buscam censurar conteúdo de plataformas sediadas nos Estados Unidos, violando proteções à liberdade de expressão da lei americana e burl(”)

Embora o documento tenha como alvo as “gag orders” contra esse usuário específico, o pano de fundo da ação — e o potencial alcance dela — é bem mais amplo, porque questiona o poder de uma autoridade de outro país de impor censura a conteúdos e contas nos EUA fora dos canais diplomáticos convencionais.

Os advogados alegam que, se as plataformas cederem às exigências de Moraes, isso sinalizaria a governos de outros países que as suas próprias regras de censura podem ser aplicadas aos EUA, atacando a liberdade de expressão prevista na Primeira Emenda à Constituição e a legislação específica americana que protege a atividade das redes.

Nos EUA, a seção 230 do Communications Decency Act (CDA) – Lei de Decência nas Comunicações – isenta as plataformas digitais de responsabilidade pelos conteúdos publicados por terceiros e impede que leis estrangeiras imponham sanções em desacordo com essa proteção. Esse dispositivo é análogo, nos EUA, ao artigo 19 do Marco Civil da Internet, que o STF está lutando para mudar no Brasil.

Por enquanto, Moraes é réu em uma ação civil, e não no âmbito penal. Isso quer dizer que, caso for condenado, ele não vai para a cadeia se pisar em solo americano, como sugeriram nos últimos dias alguns usuários de redes sociais.

Luiz Augusto Módolo, doutor em Direito Internacional pela USP, explica que Moraes poderia até mesmo continuar viajando para os EUA. Uma condenação civil não acarreta, por exemplo, a perda de visto.

Os efeitos práticos para Moraes seriam dois: o fim da eficácia de suas decisões em solo americano e o golpe em sua reputação, já que sua atuação à revelia da lei dos EUA ganharia ainda mais repercussão internacional.

Mas, para Módolo, é difícil imaginar que as plataformas americanas parem por aí. Ele crê que esse processo é o ponto de partida para uma série de ações das empresas de tecnologia que foram castigadas por Moraes e o Judiciário brasileiro nos últimos anos.

“Tenho a impressão de que essa ação está testando as águas do próprio Judiciário americano para começar uma série de outras ações assim contra o Judiciário brasileiro. O escopo da ação é um tanto limitado. Ela não pede uma condenação em pecúnia, em dinheiro. Fica a impressão de que se trata de uma primeira ação, para que depois comecem a vir com outras. Por exemplo, o X pode vir com a ação própria. Outros afetados pelas decisões que foram censurados poderão vir com suas próprias ações. Parece só o começo”, explica.

Módolo ressalta que, para ter alguma chance razoável de vencer no caso, Moraes poderia ser obrigado a fazer um gasto milionário se pretendesse ser defendido por advogados do mesmo nível dos contratados por Rumble e TMTG. “A gente percebe que eles trouxeram as armas grandes. Foram nos melhores [advogados]”, diz.

Não se sabe, ainda, se é o próprio Moraes quem vai desembolsar o dinheiro para sua defesa ou se ele receberá ajuda da Advocacia-Geral da União. Segundo Módolo, como Moraes atua em um órgão de Estado brasileiro, há argumentos para defender a segunda possibilidade, que foi dada como certa em meios de comunicação nos últimos dias.

“Nenhum integrante da AGU tem capacidade postulatória nos Judiciários estrangeiros, mas a AGU pode contratar escritórios locais para fazer essa defesa, e isso de fato pode ocorrer. O contribuinte bancaria isso via orçamento da AGU”, explica.

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