As facções se voltaram para o Ceará na última década, por conta da proximidade geográfica com a Europa, e colocaram o Estado em uma rota bilionária e transcontinental. Aliança entre integrantes do Primeiro Comando da Capital (PCC) e da máfia sérvia, que teria movimentado cerca de 10 toneladas de cocaína, utilizava o Porto de Fortaleza, no Mucuripe, como uma das saídas marítimas para escoar a droga vinda dos países andinos, especialmente de Bolívia e Peru.
O esquema foi descoberto pela Polícia Federal (PF) em uma operação denominada Dontraz, deflagrada contra o grupo criminoso em outubro. A ação cumpriu mandados em Ceará, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Norte. A investigação começou em abril de 2022, quando o barco pesqueiro Alcatraz I, de bandeira brasileira, saiu de Santa Catarina, parou em Fortaleza para ser carregado com 5,5 toneladas de cocaína, e seguiu viagem para a costa africana, onde acabou interceptado em Cabo Verde.
Quatro meses depois, em agosto, a PF apreendeu em alto-mar mais 1,2 tonelada de cocaína, no pesqueiro Dom Isaac XII, abordado pouco depois de partir do Porto de Fortaleza, com destino à Europa. Os seis tripulantes, todos brasileiros, foram presos em flagrante.
“Um grupo de oito pessoas que mora em São Paulo, especializado neste tipo de operação, viajou para o Ceará para embarcar a droga no pesqueiro Alcatraz I, adquirido em Santa Catarina. No segundo caso, muito parecido, as pessoas que realizaram o transporte da carga foram um grupo de cinco pessoas do Rio Grande do Norte, que também foram ao Ceará somente para isso”, explica o delegado da PF, Alexandre Custódio Neto, que comandou as investigações.
Entre os alvos da ofensiva está o sérvio Aleksandar Nesic, que figura como um dos líderes da máfia de seu país de origem, e teria chefiado toda a logística. De acordo com as investigações da PF, Aleksandar é filho do narcotraficante Goran Nesic, extraditado pelo governo brasileiro para a Sérvia em 2018, por ser um dos responsáveis pelo envio de cocaína para a Europa.
Alexander teria herdado o esquema do pai e, atualmente, seria o responsável por facilitar a movimentação da cocaína no outro continente, nos países onde a máfia sérvia tem conexões.
O estrangeiro foi preso na Operação Dontraz, no dia 5 de outubro, em sua casa, no Guarujá (SP). Dois meses antes, havia sido detido pelo Departamento Estadual de Investigações Criminais da Polícia Civil de São Paulo (Deic), na companhia do pernambucano José Roberto de Santana, procurado pelo roubo de uma joalheria, no bairro Jardins. Santana apresentou um documento falso e foi preso, enquanto Aleksandar foi ouvido e liberado. Em depoimento no Deic/SP, o sérvio afirmou que mora no Brasil há 15 anos e vive com uma mesada de R$ 15 mil enviada pelo pai, por meio de um banco alemão.
O esquema operado por Alexandar e por integrantes — ou associados — do PCC deixa para trás todas as brigas por territórios e as apurações do tráfico minguado nas ruas. O monopólio da facção paulista da fronteira com o Paraguai, para escoar a droga vinda da Bolívia e do Peru, foi um plano executado a longo prazo, pensado em uma escala empresarial que, hoje, movimenta cerca de R$ 5 bilhões por ano, conforme levantamento do Ministério Público de São Paulo.
A cocaína entra no Brasil, principalmente, pela Amazônia ou pela cidade de Ponta Porã (MT), na fronteira com o Paraguai. De lá, segue para outros estados para distribuição para o tráfico interno e finalmente alcança os principais pontos de escoamento da droga: portos e aeroportos.
O delegado Alexandre Custódio ressalta que os grupos investigados na operação atuavam em diferentes modais e agiam de acordo com as melhores oportunidades. Segundo ele, o crime organizado está atuando em colaborações entre grupos, para juntar núcleos especializados na prática de determinados crimes.
“Os núcleos agem na área em que são especializados, como em uma empresa mesmo. Quando termina aquele plano, vai cada um para o seu lado. Esses dois casos que investigamos na operação Dontraz levaram de dois a três meses para serem executados e um esforço muito grande pelo risco envolvido”, pontua.
Uma fonte do Deic/SP, que investiga as ações de organizações criminosas e preferiu não se identificar, disse que os portos do Nordeste têm, atualmente, uma importância crucial para o PCC. Segundo ele, há investigações de tráfico em andamento nos dois portos cearenses (Mucuripe e Pecém), em razão da quantidade de vezes que foram citados por criminosos como opção de operações, em alternativa ao Porto de Santos, o maior do Brasil.
“O Porto de Santos sempre foi o maior ponto de operações deles, mas as fiscalizações aumentaram muito. Como o Nordeste fica mais próximo da África e da Europa, migraram muitas operações para lá, principalmente para o Ceará e Rio Grande do Norte. Os portos do Ceará são maiores e têm, consequentemente, maior movimentação de cargas, por isso mais droga tem saído de lá”, afirma.
O POVO entrou em contato com a Companhia Docas do Ceará, que administra o Porto de Fortaleza, sobre as transações de envio de drogas para outros continentes, partindo do equipamento. A instituição respondeu, por meio da assessoria de imprensa, que “desconhece qualquer informação a esse respeito”.
Já a Cearaportos, responsável pelo Porto do Pecém, informou em nota que “gerencia os cadastros, autorizações e registros de acessos, vistoriando pessoas e veículos que acessam o terminal portuário”. A nota continua dizendo que a Receita Federal possui efetivo presente no porto e as ações de fiscalização e apreensão são coordenadas pela Comissão Estadual de Portos (Cesportos-CE).
“O Porto do Pecém cumpre todas as exigências previstas pelas normas da Comissão Nacional de Segurança Pública nos Portos, Terminais e Vias Navegáveis (Conportos) e pelo Código Internacional para Proteção de Navios e Instalações Portuárias (ISPS Code), que está entre os mais rigorosos do mundo”, pontua o comunicado.
Fonte: O Povo