O apelo popular criado em torno de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para redução da jornada de trabalho 6×1 tem impedido o debate sobre a armadilha que a medida representa para trabalhadores e empresas. Analistas afirmam que, da forma apresentada, a medida culminaria em custos desiguais para pequenas e grandes empresas, além de distorções macroeconômicas, como desemprego e inflação. De autoria da deputada Erika Hilton (Psol-SP), o texto, ainda não protocolado na Câmara dos Deputados, propõe a redução da jornada máxima de trabalho para 36 horas semanais, em 4 dias por semana.
A parlamentar tem recolhido assinaturas para seu requerimento. A iniciativa vem na esteira do Movimento Vida Além do Trabalho (VAT), que ganhou força nas redes sociais desde setembro do ano passado.
Tudo começou com uma postagem contra a jornada 6×1 feita pelo ativista Rick Azevedo, que trabalhava de balconista. O assunto viralizou e, desde então, o movimento conseguiu somar 1,5 milhão de assinaturas em um abaixo-assinado em favor da redução de carga horária.
Repercussão pela redução da jornada 6×1 pressiona parlamentares de direita
Neste fim de semana, o tema foi um dos mais comentados nas redes e impulsionou a adesão de parlamentares para o requerimento da deputada psolista. Até mesmo alguns deputados da bancada do PL, contrários à iniciativa, sentiram a “pressão da internet” e manifestaram apoio à redução da jornada de trabalho 6×1.
Fernando Rodolfo (PL-PE) disse que é “hora de repensar o modelo de trabalho no Brasil”. Outro parlamentar, o senador Cleitinho (PL-MG), se disse favorável à redução de jornada de trabalho e foi elogiado em suas redes.
Os defensores da proposta afirmam já ter 100 assinaturas, das 171 necessárias para que o requerimento seja protocolado na Câmara e comece a tramitar.
No documento, Hilton diz que a jornada de trabalho no Brasil, principalmente a escala 6×1, ultrapassa os “limites razoáveis” dos empregados. É necessário, segundo ela, adequar às “novas realidades do mercado de trabalho e às demandas por melhor qualidade de vida dos trabalhadores e de seus familiares”.
Questão chave é produtividade, diz economista
Diversos projetos para alterar a Constituição ou modificar a CLT foram apresentados ao longo das últimas décadas. Algumas até avançaram, mas não chegaram a ser aprovadas.
“Isso não é inusitado, esse debate existe há muito tempo e, vez ou outra, políticos populistas tentam introduzir essa redução via legislação, menosprezando a negociação coletiva, que leva em conta as necessidades de ambos os lados, trabalhadores e empresas”, afirma Zylberstajn.
Segundo ele, o populismo está em ignorar o aspecto principal para a negociação, que é a produtividade. “Os trabalhadores querem trabalhar menos e as empresas resistem a aceitar menos trabalho pelo mesmo preço”, afirma o economista. “Deve haver uma conciliação de interesses entre patrões e empregados”, salienta.
Para isso, primeiro deve-se resolver a equação da produtividade. “Se você olhar para o começo da Revolução Industrial, os trabalhadores trabalhavam 12, 14 horas por dia”, explica. “Com a modernização e tecnologia, os custos de redução da jornada foram absorvidos”.
Se isso não acontecer agora, os resultados vão penalizar o trabalhador e a sociedade. “O problema é que quando você reduz a jornada, os trabalhadores não aceitam uma redução do salário proporcional”, diz Zylberstajn. “Eles querem manter o salário e reduzir a jornada. Isso significa que a hora de trabalho ficou mais cara, embora o salário mensal fique igual”.
Na prática, significa que o empregador estará pagando mais por menos produção. “As grandes empresas poderão até compensar esta redução com modernização e tecnologia para aumentar a produtividade”, diz o economista. “Mas as pequenas e médias, que têm baixa margem de lucro, terão muita dificuldade de adaptação”, explica.
Segundo levantamento do extinto Ministério da Economia, de 2022, as micro, pequenas e médias empresas representam 99% dos negócios nacionais. Só as MPEs representam aproximadamente 90% de todos os negócios em funcionamento.
Os pequenos empresários, destaca Zylberstajn, só terão duas opções: repassar o preço aos produtos, gerando inflação, ou reduzir os postos de trabalho, gerando desemprego.
“Se fosse uma medida que se esgotasse nela mesma, ótimo, né? Agora a pergunta é: por que isso não é feito no mundo inteiro? Por que o mundo não faz uma assembleia geral de todos os países e reduz a jornada de trabalho em escala global? Seria ótimo isso, né? É que não é tão direto, não é tão simples assim”, afirma o professor da USP.
Fonte: Gazeta do Povo