De acordo com informações do jornal Financial Times, os Estados Unidos teriam atuado nos bastidores das eleições brasileiras de 2022, pressionando líderes políticos e militares locais e buscando, nas palavras deles, “proteger a democracia no país”.
O objetivo principal era deixar claro aos aliados próximos do então presidente Jair Bolsonaro, que os Estados Unidos não permitiriam qualquer tentativa de questionar o processo eleitoral ou o resultado das eleições. As autoridades americanas teriam sistematizado uma campanha não anunciada envolvendo as forças armadas, a CIA, o Departamento de Estado, o Pentágono e a Casa Branca.
Segundo o ex-alto funcionário do Departamento de Estado e ex-embaixador no Brasil, Michael McKinley, “Foi um compromisso muito incomum. Foi quase um ano civil de estratégia, sendo feito com um objetivo muito específico, não de apoiar um candidato brasileiro em detrimento de outro, mas muito focado no processo [eleitoral], em garantir que o processo funcionasse”.
Já Tom Shannon, outro ex-alto funcionário do Departamento de Estado, afirmou que a tentativa de monitorar as eleições no Brasil teve início com a visita do conselheiro de segurança nacional do Presidente Biden, Jake Sullivan. “Sullivan e a equipe que o acompanhou saíram pensando que Bolsonaro era totalmente capaz de tentar manipular os resultados das eleições ou negá-los como [Donald] Trump havia feito”.
O mesmo relembrou uma conversa que teve com Hamilton Mourão, ex-vice-presidente do Brasil, durante uma visita a Nova York em julho de 2022.
—Quando a porta estava fechando, eu disse a ele: ‘Você sabe que sua visita aqui é muito importante. Você ouviu as pessoas ao redor da mesa sobre suas preocupações. E compartilho dessas preocupações e, francamente, estou muito preocupado’. Mourão virou para mim e disse: ‘Eu também estou muito preocupado’.”
O Senador Hamilton Mourão nega a versão do jornal, dizendo que nunca teve essa conversa com “Esclareço que nunca se estabeleceu o citado diálogo entre eu e o senhor Tom Shannon. Não houve nenhuma conversa privada com o ex-embaixador após o encontro com investidores, em Nova York” disse no Twitter.
Fato é que no dia seguinte a essa conversa, o Departamento de Estado americano apresentou um endosso ao sistema de votação brasileiro, afirmando que: “O sistema eleitoral capaz e testado pelo tempo e as instituições democráticas do Brasil servem de modelo para as nações do hemisfério e do mundo”.
“A declaração dos EUA foi muito importante, principalmente para os militares. Eles recebem equipamentos dos EUA e fazem treinamento lá, então ter um bom relacionamento com os EUA é muito importante para os militares brasileiros. A declaração foi um antídoto contra a intervenção militar”, declarou um agente estatal brasileiro que preferiu permanecer no anonimato.
Autoridades reforçaram pedido
A reportagem destaca ainda a mensagem do secretário de defesa Lloyd Austin durante uma reunião regional de ministros da defesa em Brasília. As forças militares e de segurança precisam estar sob “forte controle civil”, disse ele em um discurso.
Em particular, Austin e outros oficiais explicaram aos militares brasileiros as consequências de apoiar qualquer ação inconstitucional, como um golpe. “Haveria ramificações negativas significativas para o relacionamento bilateral entre militares se eles fizessem algo e precisassem respeitar o resultado da eleição”, disse um alto funcionário do governo.
A general Laura Richardson, chefe do Comando Sul dos EUA, que cobre a América Latina, também reforçou a mensagem em visitas nos dois últimos anos ao Brasil, segundo disseram autoridades ao jornal. O chefe da CIA, William Burns, também esteve no Brasil e disse ao governo Bolsonaro para não mexer com as eleições.
—O secretário de defesa, o chefe da CIA, o conselheiro de segurança nacional, todos visitaram em ano eleitoral — diz Michael McKinley. —Isso é normal? Não, não é.