A saída líquida de R$ 21,2 bilhões da B3 – a Bolsa de Valores brasileira – desde o começo do ano fez seu principal índice de ações ter o pior desempenho entre os mercados globais no primeiro trimestre de 2024. De janeiro ao fim de março, o Ibovespa acumulou queda de 4,53%, o pior desempenho de uma lista de 41 índices de pouco mais de 30 países. Os dados são do levantamento da Elos Ayta Consultoria em parceria com a plataforma Investing.com.
O comportamento dos mercados no mundo todo foi afetado pela mudança na trajetória de queda de juros nos Estados Unidos – a taxa americana é o principal referencial para os players internacionais escolherem onde aportar seus recursos.
Mesmo assim, muitos mercados conseguiram atrair investidores graças à dinâmica das economias locais. Do total de índices computados, apenas oito tiveram resultado negativo. Mesmo em países emergentes houve desempenhos positivos: na Índia, por exemplo, o Nifty50 alcançou alta de 2,74% desde o início do ano; na Rússia, em guerra, o MOEX teve alta de 6,75%. Índices em oito países, mais o europeu Euro Stoxx 500, tiveram alta acima de 10%. O líder do ranking foi o BIST100, da Turquia, com valorização de 21,55% no ano.
Interferência do governo Lula em estatais e empresas privadas pesa contra
No Brasil, o vetor externo negativo foi potencializado pelas atitudes e declarações do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em especial as reiteradas tentativas de interferência em empresas estatais, como a Petrobras, e privadas, como a Vale.
No caso da petroleira, a pressão sobre o conselho de administração para reter a distribuição de dividendos extraordinários fez a companhia perder mais de R$ 55 bilhões em valor de mercado em um dia, em 8 de março.
Além do mau humor no mercado financeiro, o tema mobilizou a oposição ao governo no Congresso. A Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado chegou a aprovar um convite ao presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, para prestar esclarecimentos sobre a possível interferência governamental na companhia.
Em relação à Vale, privatizada há 27 anos, contribuíram para a volatilidade das ações o imbróglio envolvendo a sucessão e a insistência do governo em emplacar o nome de Guido Mantega na presidência da mineradora ou pelo menos em seu conselho de administração.
O conselho da empresa decidiu prorrogar o mandato do atual presidente, Eduardo Bartolomeo, até o fim do ano, num episódio que gerou a renúncia de um conselheiro – ele deixou o colegiado falando em “influência política” e “manipulação” no processo.
No acumulado do ano, a ação da companhia (VALE3) caiu cerca de 22%, também prejudicada pelos preços relativamente baixos do minério de ferro, e foi responsável por mais de 50% de toda a desvalorização do Ibovespa.
Eletrobras também está na mira do governo
As investidas do governo na Petrobras e na Vale aumentaram as desconfianças sobre os papéis da Eletrobras (ELET3). Desde que assumiu, Lula se diz disposto a reverter a privatização estabelecida pela lei 14.182/21, do governo Jair Bolsonaro (PL).
Considerando a parcela do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o governo ainda detém cerca de 40% das ações da companhia. Porém, graças ao desenho da lei de privatização, nenhuma acionista tem poder de voto maior que 10%.
O dispositivo foi aprovado para blindar a empresa de interferência política. Para adquirir mais da metade das ações e resgatar o controle da empresa, o governo teria que desembolsar um valor equivalente a R$ 100 bilhões, o que é considerado improvável pelos agentes econômicos.
Mesmo assim, a Eletrobras não está blindada de ruídos políticos. As ações ordinárias chegaram a cair 4,11% no pregão de 7 de fevereiro. “O governo tem ainda espaço para retomar a sua influência na Eletrobras”, afirmou ao e-Investidor o head de renda variável da Levante, Flavio Conde. “A companhia possui um alcance estadual e nacional muito maior do que a Vale”, disse.Na semana passada, um relatório do banco de investimentos Goldman Sachs recomendou a saída dos investidores dos papéis de estatais brasileiras, considerando que o cenário remete a “casos de maior envolvimento” do governo nas referidas empresas. “Tais eventos normalmente levaram a um prêmio de risco mais elevado para ativos brasileiros”, diz o relatório.
Juros americanos afetam desempenho das bolsas
Além dos problemas internos do Brasil, os investidores consideraram a mudança nas perspectivas para os juros nos EUA.
Desde o ano passado, cresciam as apostas num corte da taxa já em março deste ano, o que favoreceu os ativos de maior risco e rendimento. A B3 se beneficiou do movimento especialmente no último trimestre de 2023, quando o investimento estrangeiro somou R$ 45 bilhões, levando o Ibovespa a bater seu recorde nominal histórico.
Porém, a resiliência da economia americana no primeiro trimestre tem afetado as projeções mais otimistas sobre a redução. Com números consistentes de atividade econômica, o Federal Reserve (Fed, banco central americano) provavelmente será mais cauteloso em baixar os juros, sob o risco de inflação.
Em sua última reunião, o colegiado decidiu manter a taxa entre 5,25% e 5,50% ao ano. A projeção inicial, de seis cortes no ano, caiu para três. A expectativa dos agentes financeiros é de que o primeiro deles ocorra apenas no segundo semestre.
Em um cenário em que os EUA demoram mais a cortar a remuneração de seus títulos e as grandes empresas brasileiras seguem na mira do governo Lula, o investidor externo tende a preferir alocar seus recursos – ou boa parte deles – no mercado mais seguro do mundo.