O crime organizado fatura por ano, no Brasil, ao menos R$ 146,8 bilhões em mercadorias lícitas. São produtos consumidos por boa parte da população, como combustíveis e lubrificantes, bebidas, ouro e tabaco. O montante faturado equivale a três vezes e meia o orçamento anual do Ministério da Educação (MEC). O valor foi estimado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).
O documento foi batizado de Follow the products – rastreamento de produtos e enfrentamento ao crime organizado no Brasil. O texto apresenta análise da atuação de grupos criminosos nos quatro mercados descritos e também traça ideias para conter o avanço do crime. Os pesquisadores consultaram várias bases de dados, como operações da Polícia Federal (PF), relatórios de instituições acadêmicas, representações setoriais, institutos de pesquisa, organizações da sociedade civil e da imprensa, por exemplo.
A estimativa apresentada no estudo do FBSP é a de que o crime organizado fature R$ 348,1 bilhões ao ano em três grupos – o que envolve combustíveis e lubrificantes, bebidas, ouro e tabaco é o segundo maior, representando 42,1% do total ou R$ 146,8 bilhões em números absolutos, em 2023. O que lidera o ranking é o de celulares e golpes virtuais (R$ 186,1 bilhões). O tráfico de cocaína aparece na lanterna, com R$ 15,2 bilhões. Os montantes referentes aos dois últimos são de 2022.
A infiltração do crime na economia aparece quando analisamos outro dado. Os produtos movimentados por essas organizações fraudulentas já representam fatia de 14,7% no conjunto dos mercados de combustíveis e lubrificantes, bebidas, ouro e tabaco.
Coordenador do estudo, Nívio Nascimento ressalva que as cifras podem ser muito maiores do que as apontadas pelos pesquisadores. “A gente fez uma estimativa metodologicamente bem desafiadora, porque é difícil medir esses mercados ilícitos, mas mostrando que estimativas bem conservadoras trazem um valor de mercados ilícitos associados expressivo”, pondera.
O FBSP afirma que a atuação do crime organizado nos quatro mercados está associada às práticas de contrabando, descaminho, falsificação, adulteração, sonegação fiscal e lavagem de dinheiro.
O levantamento do FBSP ajuda a dar uma noção mais atualizada da atuação do crime organizado. “A nossa proposta é um olhar um pouco inovador, de lançar uma lista do crime organizado. Porque eu acho que, tradicionalmente, ele é muito associado ao tráfico de drogas e armas. E a gente está mostrando como essas organizações se infiltram em diversos setores da sociedade brasileira e na economia, afetando a vida das pessoas no âmbito do território”, acrescenta Nascimento.
Combustíveis na liderança
O mercado que rende maior faturamento para o crime organizado é o de combustíveis e lubrificantes, com R$ 61,4 bilhões. Na sequência, aparecem os outros três: bebidas (R$ 56,9 bilhões), ouro (R$ 18,2 bilhões) e tabaco/cigarros (R$ 10,3 bilhões).
“O total de combustível ilegal no Brasil em 2022 daria para abastecer toda a frota de veículos do país por três semanas completas (mais de 500 milhões de carros, considerando um tanque médio de 50 litros)”, diz trecho do estudo.
A atuação do crime organizado no mercado de combustíveis e lubrificantes, segundo o levantamento, “abastece garimpos, acirra o desmatamento e utiliza aviões no transporte de ouro ilegal, fomentando crimes ambientais vários”.
Os pesquisadores identificaram que o crime organizado atua no mercado de combustíveis e lubrificantes com adulteração de combustíveis, roubo de cargas e desvio de combustíveis por dutos, bombas fraudadas, venda sem emissão de nota fiscal, empresas de fachada, desvios em importações e exportações, postos piratas e ainda em fraudes em operações interestaduais.