A decisão do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de anistiar mais de 1.500 envolvidos na invasão ao Capitólio, em 6 de janeiro de 2021, reacendeu o debate no Brasil sobre a anistia aos presos do 8 de janeiro de 2023. A oposição ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva viu na medida do republicano um exemplo para reforçar a defesa de que os manifestantes brasileiros, dezenas ainda presos desde os ataques às sedes dos Três Poderes, merecem um perdão semelhante.
Segundo o documento assinado por Trump, a decisão “põe fim a uma grave injustiça nacional que tem sido perpetrada contra o povo americano ao longo dos últimos quatro anos e dá início a um processo de reconciliação nacional”.
À Gazeta do Povo, o deputado federal Zucco (PL-RS), líder da oposição na Câmara, disse que a decisão de Trump “pode sim fortalecer nossa causa”. Segundo ele, muitos dos presos em decorrência dos atos de 8 de janeiro são “pais, mães e avós, cidadãos comuns que merecem um tratamento justo e digno por parte do nosso Judiciário”.
Um levantamento recente do STF mostra que 371 pessoas já foram condenadas por incitação ou execução dos atos de 8 de janeiro de 2023. Ao todo, mais de 2 mil foram investigadas e até agora 898 foram responsabilizadas criminalmente.
Zucco ainda destacou o que chamou de “abuso de poder” e pediu que o Brasil siga o exemplo americano. “Chega de tanto abuso de poder, precisamos dar um basta nesse atropelo do Estado Democrático de Direito”, declarou.
O projeto de lei que prevê a anistia aos presos do 8 de janeiro está em tramitação na Câmara dos Deputados, mas enfrenta um cenário de impasse. Apesar de a oposição pressionar pela aprovação, o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), em outubro do ano passado, criou uma comissão especial para analisar o texto, o que deve retardar sua tramitação.
PL da anistia ainda tem longo caminho no Congresso
Travado na comissão especial criada pelo deputado alagoano, o PL da Anistia dependerá do aval do próximo presidente da Câmara para ter qualquer tipo de andamento. A eleição vai acontecer no dia 3 de fevereiro. Desde a instalação do colegiado até a eleição de seus membros, a proposta também encontra barreiras nas negociações entre a oposição e o sucessor de Lira.
O apoio do Partido Liberal à eleição de Hugo Motta (Republicanos-PB) foi condicionado à tramitação do texto, mesmo não havendo garantias de aprovação em plenário. Mas Lira fez uma proposta contraditória para obter o apoio do governo: retardar a votação.
Mesmo que seja aprovada na Câmara, a proposta ainda deve encontrar obstáculos no Senado, cujo favorito para suceder Rodrigo Pacheco é o senador Davi Alcolumbre. A avaliação é que o parlamentar não tocará na proposta para não desagradar o Supremo Tribunal Federal (STF).
Além disso, mesmo que houvesse uma aprovação por parte do Congresso, a avaliação do mundo político é de que a proposta seria considerada inconstitucional pelo Supremo. Em novembro do ano passado, o ministro Gilmar Mendes disse que a anistia seria “incogitável” após as revelações da Polícia Federal acerca de um alegado plano de golpe de Estado no país.
“Acho incogitável falar em anistia nesta quadra e neste quadro. Seria até irresponsável. Como todos sabem, tenho vários interlocutores no meio político, e não me parece que faça qualquer sentido, antes mesmo de termos uma denúncia, se falar em anistia”, disse em entrevista à GloboNews.
Nessa situação, a oposição entende que a proposta, se não for votada até 2026, precisa estar ao menos pronta para a apreciação na Câmara e no Senado em 2027. A ideia é ter sucesso nas eleições de 2026 e formar uma maioria de direita na próxima legislatura que possa conceder o perdão aos envolvidos nas manifestações. A barreira do STF deve ter solução similar: a oposição espera ter maioria e eleger o presidente do Senado, que é o único órgão com competência para limitar os poderes do STF.
Nos Estados Unidos as manifestações do Capitólio ocorreram em 6 de janeiro de 2021, mas o perdão só veio quatro anos depois, com a volta ao poder de Donald Trump e eleição de maioria republicana no Congresso.