Os sete conselheiros do TCE (Tribunal de Contas do Estado) de Roraima receberam na folha de pagamento de setembro o valor total de R$ 8 milhões a título de remuneração e “proventos diversos”, o que incluiu pagamentos de R$ 1,4 milhão a R$ 1,8 milhão a quatro deles. Em setembro, o presidente da corte, Célio Rodrigues Wanderley, foi o recordista, com R$ 1,81 milhão bruto -R$ 39,7 mil de remuneração e R$ 1,77 milhão em proventos diversos. A conselheira Cilene Lago Salomão veio logo a seguir, com R$ 1,80 milhão -também R$ 39,7 mil de remuneração e R$ 1,77 milhão em proventos diversos.
Atualmente, o salário formal de um conselheiro do TCE-RR é de R$ 39,7 mil. O teto salarial do funcionalismo é de R$ 44 mil, valor da remuneração de um ministro do STF (Supremo Tribunal Federal). De acordo com o portal da Transparência do próprio tribunal, os conselheiros vêm recebendo há meses pagamentos bem acima dos valores formais de remuneração.
Só o valor desembolsado pelo tribunal no mês de setembro para os sete conselheiros seria suficiente para pagar o salário regular de todos eles por mais de dois anos.
Os tribunais de contas estão disciplinados na Constituição como órgãos auxiliares do Poder Legislativo na “fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial” do Poder Executivo, observados, entre outros pontos, a legalidade, legitimidade e economicidade.
Em nota, o Tribunal de Contas do Estado de Roraima enumerou uma série de penduricalhos (benefícios que turbinam os salários dos servidores públicos) e pagamentos retroativos como justificativa para a milionária folha de pagamento de setembro.
Em especial, pagamentos retroativos de conversão em dinheiro de licenças por acúmulo de função, além de abono por permanência na atividade pública mesmo após reunidas condições para aposentadoria.
A Lei Orgânica do Tribunal de Contas do Estado de Roraima é de 1994, mas, no decorrer dos anos, várias leis aprovadas pela Assembleia Legislativa do estado ampliaram os benefícios dos integrantes do órgão.
Em 2014, por exemplo, projeto incluiu na lei três meses de licença-prêmio remunerada a cada cinco anos.
Em 2022, foi a vez de projeto incluir na lei o direito aos membros do TCE-RR de licença por acúmulo de jurisdição de contas (atividades de julgamento e de fiscalização das contas que tramitam na corte) e acervo processual (total de processos ou procedimentos distribuídos e vinculados a um relator), com a delegação ao próprio tribunal de competência para estabelecer a forma de compensação da licença.
Com efeito, os conselheiros se reuniram depois e definiram, entre outros pontos, que as licenças podem ser convertidas em dinheiro e que os membros do TCE-RR que preenchiam as exigências de janeiro de 2015 a dezembro de 2021 também teriam direito à compensação.
Os conselheiros previram ainda que as folgas compensatórias apuradas na ocasião seriam indenizadas “com o objetivo de assegurar a eficiência e evitar a descontinuidade dos serviços públicos prestados”.
Em nota, o TCE-RR afirmou que “todos os pagamentos foram precedidos da devida análise técnica de impacto orçamentário-financeiro, em conformidade com as regras previstas na Lei de Responsabilidade Fiscal”.
Em relação aos pagamentos feitos “de forma diferenciada” ao presidente da corte e à conselheira Cilene, cita artigo da Constituição sobre abono a servidores que tenham completado as exigências para aposentadoria e permaneçam em atividade.
Segundo o órgão, o valor inclui abonos a que eles fazem jus aos últimos cinco anos e que não tinham sido pagos “em virtude de limitações orçamentárias”.
“Nesse sentido, o TCE-RR entende que a transparência é fundamental para fortalecer a confiança da população nas instituições, e, por isso, todas as suas decisões e pagamentos são realizados com rigor técnico jurídico e em conformidade com a legislação vigente, respeitando, inclusive, a vinculação constitucional e a paridade remuneratória existente com os membros da magistratura.”
O tribunal encerra a nota afirmando que “é com esse espírito que se renova o compromisso de promover práticas que assegurem a visibilidade” de suas ações, “sempre em busca de uma administração pública eficiente e íntegra, norteadas pelos princípios constitucionais”.
Em entrevista à Folha, o professor associado da Fundação Dom Cabral Bruno Carazza, que é autor do livro “O País dos Privilégios: os novos e velhos donos do poder”, calcula que cerca de R$ 20 bilhões em penduricalhos escapam do teto remuneratório de R$ 44 mil do funcionalismo público.
Em sua avaliação, o projeto de lei que tramita no Congresso Nacional com o objetivo de restringir os supersalários no setor público será inócuo no combate a privilégios e na redução das despesas do governo caso o Senado não corte exceções que hoje constam na proposta.
“O céu é o limite”, diz Carazza. Ele estimou em R$ 8 bilhões as verbas que ficam fora do teto salarial no Judiciário. “Quando a gente olha no Judiciário e no Ministério Público, aí a criatividade não tem limites.”