O presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Luís Roberto Barroso, recuou de uma decisão dele próprio e impediu o UOL e uma equipe de especialistas em tecnologia da informação de inspecionar o código-fonte do sistema de distribuição de processos judiciais aos ministros. O professor Diego Aranha que seria um dos especialista levados pelo veiculo de comunicação, criticou a decisão do ministro.
“Você não pode usar como justificativa um ataque na rede externa do tribunal para impedir acesso a um sistema crítico que funciona lá dentro”, afirmou. “Essas coisas são totalmente incompatíveis.”
Hartmann disse que a decisão nem sequer se baseou corretamente no parecer do setor técnico do Supremo. Isso porque Barroso argumentou haver “impossibilidade técnica”, embora os funcionários do tribunal tenham mencionado apenas um suposto risco. Para o professor, trata-se de “coisas diferentes.”
O parecer diz que surgiu um risco novo. Diante desse parecer da STI [Secretaria de Tecnologia da Informação] não está afastado o direito de acesso em função da LAI [Lei de Acesso à Informação] já reconhecido pelo tribunal. O correto seria o tribunal agendar daqui a um mês, dois meses… Isso é diferente de dizer: ‘Não dá’.Ivar Hartmann, professor do Insper
Após quatro anos, o STF concordou com um pedido de LAI (Lei de Acesso à Informação) do UOL para obter acesso ao código-fonte do tribunal. Além de permitir a inspeção, o tribunal deu aval para fazer a análise dos registros de uso do programa.
A visita foi agendada e acertada com funcionários do tribunal, mas o STF mudou a decisão menos de 72 horas antes de ela ocorrer. Dias depois, Barroso vetou o acesso. Segundo ele, a análise do código-fonte poderia facilitar ataques de hackers e será feita no futuro, sem data definida.
O UOL recorreu da decisão do ministro nos termos da LAI. Técnicos que acompanhariam a reportagem viram problemas na decisão, como o fato de estar baseada em conceitos errados de segurança e a falta de transparência do Judiciário.
O sistema do STF sorteia qual ministro vai cuidar de cada processo judicial.
Dúvidas sobre o sistema surgiram em 2017, quando o ministro do STF Edson Fachin foi sorteado para herdar a relatoria de processos da Operação Lava Jato após o acidente aéreo que matou Teori Zavascki.
Questionamentos voltaram à tona recentemente quando o ministro Alexandre de Moraes foi destacado para relatar quase todos os processos ligados a tentativas de golpe de Estado, assim como a investigação em que o ex-juiz Sergio Moro denunciou interferência do governo Jair Bolsonaro (PL) na Polícia Federal.
Na 1ª decisão, Barroso viu “interesse público”
Em 5 de março, Barroso autorizou o UOL a analisar o sistema de distribuição de ações judiciais nas dependências do STF.
Considerando a necessidade de compatibilizar, de um lado, o interesse público no acesso à informação e o dever de transparência e, de outro, a imprevisibilidade da distribuição de processos e a segurança dos sistemas informatizados deste tribunal, dou parcial provimento ao recurso administrativo para franquear ao recorrente o acesso ao referido código-fonte nas dependências deste tribunal, de forma presencial, ficando vedada a cópia do conteúdo para uso externo. Luís Roberto Barroso, presidente do STF
Em abril, o UOL pediu a reserva de uma sala no Supremo para análise do código-fonte de 9 a 13 de setembro, com a presença de quatro pessoas munidas de computadores portáteis.
Durante quatro meses, o UOL informou funcionários do STF — por email, telefone e pessoalmente — que levaria especialistas que residem em São Paulo e na Dinamarca. Por isso, havia a necessidade de confirmar as datas para comprar as passagens de avião.
STF confirmou visita 2 vezes
Em 5 de julho, funcionários do STF confirmaram as datas da inspeção com a equipe de quatro pessoas. Não seria possível, contudo, usar computadores portáteis, apenas os equipamentos do tribunal. As passagens aéreas foram então compradas.
Nos dias 5 e 6 deste mês, funcionários do tribunal confirmaram a visita do UOL novamente, mas disseram que o período de inspeção seria restrito a dois dias. Três funcionários do STF acompanhariam as visitas nos dias 9 e 10 na sala de audiências do tribunal.
No dia 6, a Presidência do STF pediu os nomes dos técnicos e documentos de identidade deles, que foram fornecidos.
Horas depois, faltando menos de 72 horas para a visita, uma funcionária do STF informou que a visita não poderia ser realizada porque as autorizações não estavam dentro de um processo administrativo.
O UOL formalizou imediatamente um pedido para que isso fosse feito e procurou o próprio presidente do Supremo para tratar da situação.
Dois técnicos, que vinham de São Paulo, cancelaram suas passagens aéreas. Entre eles, estava o professor de Direito do Insper Ivar Hartmann, ex-coordenador do projeto Supremo em Números.
O professor de ciência da computação Diego Aranha, da Universidade de Arrhus, na Dinamarca, já estava a caminho de Brasília e permaneceu na capital federal no período acertado. Ele faz testes e análises na urna eletrônica sem viés político-partidário.
No dia 13, a Presidência do STF encaminhou uma decisão de Barroso recuando de sua posição inicial. Ele atribuiu a decisão a ataques cibernéticos contra o tribunal ocorridos em agosto e setembro — uma das confirmações da visita havia sido feita depois desses ataques.
A concessão de acesso ao código-fonte de sistemas informatizados e o eventual conhecimento público da estrutura dos dados de processos judiciais poderiam facilitar gravemente os ataques hacker, num momento delicado.Barroso, em nova decisão
“Deixo de autorizar o acesso requerido por impossibilidade técnica”, continuou o ministro. Sem mencionar datas, ele disse que “será aberto edital de convocação para a realização de novo exame, cujo resultado será público”.
Barroso ainda citou uma análise encomendada pelo STF em 2018. Nela, porém, a inspeção foi prejudicada. Segundo o Supremo, a Universidade de Brasília afirmou que “não houve acesso efetivo aos códigos fonte e componentes que integram a solução de distribuição pelos integrantes da equipe UnB”.
Os dois técnicos têm histórico de luta pelo direito à transparência e eficiência do Judiciário.
O projeto Supremo em Números, antes coordenado por Hartmann, analisava estatisticamente o STF, tribunal que não é fiscalizado nem mesmo administrativamente pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça).
Aranha atua, há mais de dez anos, com segurança de eleições. Ele nunca declarou a existência de fraudes nos pleitos. No entanto, defende uma camada extra de segurança na urna eletrônica: um módulo impressor de votos ao lado de cada equipamento. Ele propõe que uma amostra estatisticamente relevante poderia ser conferida com o resultado eletrônico para auditar a votação.
Para o especialista, esse procedimento melhoraria a auditagem da etapa de votação na urna. A fase de contabilização de votos, diz, já é auditável.