O fórum Nova Operação Verdade, realizado em Havana nos dias 21 e 22 de janeiro, organizado pela Prensa Latina (a agência cubana de notícias) e o canal de TV libanês Al Mayadeen (considerado um “porta-voz do Hezbollah”), o encontro levou à ilha caribenha jornalistas, dirigentes políticos e ativistas de mais de 30 países – todos dispostos a “defender e mostrar a realidade das nações progressistas”. Convidado a falar na abertura dos trabalhos, Díaz-Canel chamou de “companheiros de batalha” os cerca de 60 convidados presentes no hotel Royalton, onde todos também ficaram hospedados. O preço mais baixo da diária no cinco estrelas, localizado a menos de 5 quilômetros do centro da capital e com vista para o mar, fica em torno de R$ 1.680 (quase dez vezes o valor do salário médio estatal do país, que equivale a cerca de R$ 173).
O nome do evento é uma homenagem aos 65 anos da conferência internacional de imprensa convocada por Fidel Castro assim que ele e seu grupo tomaram o poder. Segundo o jornal Granma, a publicação oficial do Partido Comunista de Cuba, 400 jornalistas de todo o mundo acompanharam a Operação Verdade original, idealizada para “desmantelar as campanhas difamatórias contra a revolução nascente” orquestradas pelos Estados Unidos e seus aliados.
Quase sete décadas depois, o discurso não parece ter mudado muito. A julgar pelos relatos dos participantes do fórum deste ano, publicados em veículos autoproclamados “alternativos”, o foco dos painéis e debates foi a luta contra a “hegemonia ocidental”, a “mídia imperialista” e a “narrativa de desinformação criada por Washington”.
Logo em seguida, o ditador propôs uma dupla homenagem: aos palestinos “oprimidos pela ocupação israelense” e aos “repórter-mártires” do canal Al Mayadeen mortos durante a cobertura da guerra no Oriente Médio. “Em nome do General do Exército Raúl Castro e do povo de Cuba, obrigado pelo que fazem”, disse.
E acrescentou: “Cada projeto de comunicação para derrotar o pensamento pró-imperialista é uma trincheira de ideias. E, como disse José Martí [herói de Cuba na guerra pela independência contra a Espanha e ídolo de Fidel], uma trincheira de ideias vale mais do que trincheiras de pedras”.
Outro político “nativo”, Abel Prieto – duas vezes ministro da Cultura e atual presidente da Casa de Las Américas (entidade destinada ao intercâmbio cultural entre Cuba e os demais países latino-americanos) – lembrou de situações que, de acordo com ele, “revelam a incrível capacidade das forças de direita de inventar mentiras”.
Uma delas dá conta de uma suposta campanha, que teria sido divulgada por emissoras estrangeiras em 1962, alertando as mães cubanas para os perigos de uma nova lei do governo voltada a enviar seus filhos, sem o consentimento delas, para a União Soviética, onde as crianças seriam submetidas a processos de lavagem cerebral. Contada em tom de ironia por Prieto, a história divertiu a plateia. O político, no entanto, esqueceu de mencionar que a Rússia recruta soldados cubanos para combater a Ucrânia e o governo do qual faz parte não se opõe a isso.
Quem também deu as caras para falar sobre fake news foi Daniel Edmundo Ortega, coordenador de Mídia do Conselho de Comunicação e Cidadania da Nicarágua (e filho do sanguinário ditador do país, Daniel Ortega). Por meio de uma mensagem de vídeo, ele afirmou: “Diante do terrorismo midiático, das mentiras e das calúnias, a comunicação tem uma importância vital para os nossos povos”.
Também participaram da Nova Operação Verdade representantes de distribuidoras internacionais de conteúdo e empresas de mídia estatais. Entre elas a TV Brics (Rússia), Xinhua News Agency (China), jornal Al-Seyassah (Egito), Sistema Público de Radiodifusión del Estado (México), Algerian Press Service (Argélia) e Agência Sputnik (Rússia) – todas instaladas em países governados por políticos de esquerda, ditadores ou líderes eleitos em pleitos questionáveis do ponto de vista da ordem democrática ocidental.
Jornalista brasileiro participou da conferência em Havana
O delegado brasileiro no evento foi o jornalista e escritor Luiz Augusto Erthal. Veterano da imprensa, com passagem por diversos veículos importantes (Manchete, O Globo, O Dia, Última Hora, Tribuna da Imprensa, Jornal dos Sports), ele atualmente é editor executivo do jornal Toda Palavra, que criou há oito anos e circula em Niterói (RJ). “Brizolista” convicto, também trabalhou nas duas passagens de Leonel Brizola pelo governo do Rio de Janeiro.
Em 2023, Erthal esteve entre os finalistas do concurso internacional Olhar Honesto, organizado pela agência estatal de notícias russa TASS e destinado a “projetos de informação para a mídia estrangeira”. O jornalista participou da categoria “Desenvolvimento territorial” com o artigo “Sibéria: Um Lugar onde tudo é grandioso, épico e absoluto” – fruto de sua visita a uma mina de carvão durante uma turnê de mídia promovida pela TV Brics, parceira do Toda Palavra.
Há cerca de um mês, Luiz Augusto Erthal iniciou uma “campanha relâmpago” de financiamento coletivo para viabilizar sua viagem à Havana e os custos de transporte na cidade, entre outros gastos – pois a organização ofereceu apenas hospedagem e alimentação (no próprio Royalton). “Cuba não tem dinheiro, enfrenta muitas dificuldades. Foi minha primeira visita, e pude ver como a vida do povo de lá é muito difícil”, diz.
Segundo ele, três “gatilhos” motivaram a realização da conferência neste momento de “grande tensão geopolítica”: a guerra na Ucrânia (“impulsionada pelo expansionismo da Otan após o colapso da URSS”), o bloqueio econômico a Cuba (“que recrudesceu nos governos de Trump e Biden”) e o conflito no Oriente Médio (“um massacre sustentado pela tese do direito de defesa de Israel”).
Em sua cobertura jornalística do fórum, Erthal detalhou a abertura do encontro, resgatou a história da conferência de 1959, reproduziu falas de convidados e conversou com figuras como Aleida Guevara, médica e filha do guerrilheiro Che Guevara.
Questionado sobre a experiência de discutir a “liberdade dos povos” com representantes de autocracias e ditaduras, o brasileiro afirma: “É uma questão polêmica, mas tem relação com o nosso contexto de colonialismo cultural. O modelo de democracia ocidental que se vende está caindo por terra, porque é contraditório. Na prática, é uma democracia oligárquica”.