Nesta segunda-feira (3), a Bancada Negra da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul realizará, às 18h30, uma audiência pública para discutir sobre a mudança de um trecho do hino do estado considerado racista. Os parlamentares Bruna Rodrigues (PCdoB), Matheus Gomes (PSOL) e Laura Sito (PT) afirmam que desde a década de 1970 se discute sobre o preconceito embutido na frase que diz: “povo que não tem virtude acaba por ser escravo”.
Para eles, a estrofe compara que o povo negro gaúcho – majoritariamente escravizado à época – foi submetido: à escravidão – e que, por isso, não possuíam virtude.Os deputados solicitam a mudança diante da “necessidade de pensar os símbolos do Estado (especialmente o Hino) sob um ponto de vista que não incentive nenhuma forma de preconceito”.
Já amanhã (4) deve ser votada na casa uma proposta de emenda à Constituição (PEC) Estadual que busca dificultar a alteração dos símbolos oficiais do Rio Grande do Sul: o hino, a bandeira e o brasão.
Atualmente, mudar os símbolos estaduais dependeria da aprovação de um projeto com maioria simples — metade dos deputados, mais um. Se a PEC em discussão for aprovada, alterações dependeriam de três quintos dos votos. A proposta é do deputado Rodrigo Lorenzoni (PL), filho de Onyx Lorenzoni, ex-ministro do governo Bolsonaro. Na última terça-feira, houve um acordo para uma fusão da PEC com outro projeto, do deputado Luiz Marenco (PDT), prevendo que alterações nos símbolos estaduais devem ser rejeitadas ou ratificadas em referendos. No momento, não há projeto de lei tramitando com objetivo de alterar o hino.
— A PEC pretende aumentar o grau de proteção desses símbolos, mas se em algum momento a sociedade tiver interesse em alterar, basta se propor outra PEC. Temos muita cultura, um dos maiores folclores do mundo e isso precisa ser preservado. Há muito tempo, há um grupo minoritário da extrema-esquerda, que, na nossa opinião, tem um movimento democrático, mas desprovido de realidade histórica — afirma Lorenzoni. — Ninguém nega que exista racismo no mundo, mas que isso seja discutido amplamente, levando em consideração mais visões, que é o que estou propondo. O próprio (jornalista e escritor gaúcho Eduardo Bueno), que pode ser considerado de esquerda, tem um video onde considera patética a interpretação.
Eduardo Bueno comenta sobre a afirmação de Lorenzoni e também sobre o texto original da PEC, que buscava tornar os símbolos do Estado “protegidos e imutáveis em sua integralidade”.
— Um vídeo que gravei em meu canal no YouTube, o Buenas Ideias, no qual digo que não considero a letra do Hino Rio-Grandense racista tem sido usado como argumento que “até gente de esquerda” defende a suposta imutabilidade do hino. Não sou de esquerda. Apenas me coloco o mais longe possível das posições do deputado gaúcho que propôs a, digamos assim, PEC da Imutabilidade dos “símbolos gaúchos” — afirma Bueno. — Qualquer um que estude e conheça a História sabe que o passado está sempre mudando e querer tornar qualquer visão do passado, qualquer instituição, qualquer símbolo, em algo imutável “por lei” não é apenas uma vertigem conservadora: é um projeto irrealizável, uma ideia inexequível e uma pretensão estúpida.
De acordo com o site da Assembleia Legislativa, o hino do Rio Grande do Sul foi escrito dentro do contexto da Guerra dos Farrapos (de 1835 a 1845), em um período em que os negros eram escravizados no Brasil.
– Os guerreiros estancieiros não queriam acabar como negros, como escravos. Queriam a virtude de vencer a guerra. Pois quem era escravo não tinha virtude. E a luta deles, tão glorificada, coexistiu com a condição do negro na época. Eles tinham escravos, eles não podiam ser escravos. Afinal, tinham virtude – explica o texto da Assembleia.