Enquanto o plenário do Senado aprovava, por 43 a 21, um projeto de lei que trata do marco temporal, nesta quarta-feira, 27, o Supremo Tribunal Federal (STF) concluía o julgamento sobre o mesmo tema, que começou na semana passada. A Corte, que derrubou o dispositivo, precisava estabelecer alguns critérios que terão repercussão geral. Hoje, a maioria dos ministros aprovou uma tese do relator do caso, Edson Fachin, com sugestões de outros colegas.

Com votações que possuem critérios distintos, do Judiciário e do Legislativo, abre-se um impasse na sociedade brasileira. “A Constituição Federal (CF) de 1988 é clara ao prever a competência do Poder Legislativo para ‘criar e editar leis’, conforme os artigos 48, 59, 60 e 61 pertencentes ao Título IV — Capítulo I (organização do Poder Legislativo)”, constatou Vera Chemim, advogada constitucionalista e mestre em Direito público administrativo pela FGV.

Segundo Vera, a despeito da previsão constitucional, o STF finalizou o julgamento de um Recurso Extraordinário, declarando a inconstitucionalidade do marco, por meio da fixação de uma tese de Repercussão Geral, ao mesmo tempo em que o Legislativo aprovou uma lei que vai de encontro à decisão da Corte. “Não há nenhuma dúvida de que a nova lei será objeto de judicialização e o STF vai corroborar a sua inconstitucionalidade, uma vez que o tema foi tardiamente disciplinado pelo Poder Legislativo”, afirmou a jurista.

O entendimento do STF, sobre o marco temporal, contrário ao do Senado

  1. A demarcação consiste em procedimento declaratório do direito originário territorial a posse das terras ocupadas tradicionalmente por comunidade indígena;
  2. A posse tradicional indígena distinta da posse civil, consistindo na ocupação das terras habitadas em caráter permanente pelos indígenas, das utilizadas para as suas atividades produtivas, das imprescindíveis a preservação dos recursos ambientais necessários, ao seu bem-estar e das necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições, nos termos do parágrafo I do art. 231 do texto Constitucional;
  3. A proteção constitucional aos direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam independe da existência de marco temporal em 5 de outubro de 1988 ou da configuração do remitente esbulho como conflito físico, controvérsia judicial persistente a data da promulgação da constituição;
  4. Existindo ocupação tradicional indígena, o remitente esbulho contemporâneo a promulgação da constituição federal aplica-se o regime indenizatório relativo às benfeitorias úteis e necessárias previstas ao parágrafo 6º do art. 231 da CF/88;
  5. Ausente ocupação tradicional indígena ao tempo da promulgação da CF, o remitente esbulho na data da promulgação da Constituição são válidos e eficazes, produzindo todos os seus efeitos, os atos e negócios jurídicos perfeitos e a coisa julgada relativos a justo título e posse de boa-fé das terras de ocupação tradicional indígena, assistindo ao particular direito a justa e prévia indenização das benfeitorias necessárias e úteis pela União. E quando inviável o reassentamento dos particulares, caberá a eles indenização pela União, com direito de regresso em face do ente federativo que titulou a área, correspondente ao valor da terra nua, paga em dinheiro ou em títulos da dívida agrária, se for de interesse do beneficiário e processados em autos apartados do procedimento de demarcação, com o pagamento imediato da parte incontroversa garantido o direito de retenção até o pagamento do valor incontroverso, permitido a autocomposição e o regime do art. 37, parágrafo 6º da CF;
  6. Descabe indenização em casos já pacificados decorrentes de terras indígenas já reconhecidas e declaradas em procedimentos demarcatórios, ressalvados os casos judicializados em andamento;
  7. É dever da União efetivar o procedimento demarcatório de terras indígenas, sendo admitida a formação de áreas reservadas somente diante da absoluta impossibilidade de concretização da ordem constitucional demarcação, devendo ser ouvida em todo caso a comunidade indígena, buscando, se necessário, a autocomposição entre os respectivos entes federativos para identificação das terras necessárias à formação das áreas reservadas, tendo sempre em vista a busca do interesse publico e a paz social, bem como a proporcional compensação as comunidades indígenas (art. 16.4 da OIT);
  8. O redimensionamento de terá indígena é vedado em caso de descumprimento dos elementos contidos no art. 231 da CF por meio de procedimento demarcatório até o prazo de cinco anos da demarcação anterior, sendo necessário comprovar grave e insanável erro na condução do procedimento administrativo ou na definição dos limites da terra indígenas, ressalvadas as ações judiciais em curso e os pedidos de revisão já instaurados até a data da conclusão desse julgamento;
  9. O laudo antropológico é um dos elementos fundamentais para demonstração da tradicionalidade de ocupação comunidade indígena determinada de acordo com os seus usos, costumes e tradições e observado o devido processo administrativo;
  10. As terras de ocupação tradicional indígena são de posse permanente da comunidade, cabendo aos indígenas o usufruto exclusivo das riquezas dos solos, dos rios e lagos nela existentes;
  11. As terras de ocupação tradicional indígena na qualidade de terras públicas são inalienáveis, indisponíveis e os direitos sobre elas imprescritíveis;
  12. A ocupação tradicional das terras indígenas é compatível com a tutela constitucional do meio ambiente, sendo assegurados os exercícios das atividades dos povos indígenas;
  13. Os povos indígenas possuem capacidade civil e postulatória, sendo partes legítimas nos processos em que discutir seus interesses, sem prejuízo nos termos da lei, da legitimidade concorrente da Funai e da intervenção do MP como fiscal da lei.

Na semana passada, apenas os ministros Nunes Marques e André Mendonça se opuseram à derrubada do marco temporal. Os magistrados alertaram para a insegurança jurídica.

Por que o marco temporal começou a ser discutido no Supremo

O STF começou a julgar o caso em 2019, a partir de uma ação do Instituto do Meio Ambiente do Estado de Santa Catarina (IMA) contra o povo Xokleng, da Terra Indígena Ibirama-La Klaño. O IMA sustenta que os indígenas invadiram o local.

O território fica às margens do rio Itajaí do Norte, em Santa Catarina. Da população de 2 mil pessoas, também fazem parte indígenas dos povos Guarani e Kaingang.

O governo catarinense pede a reintegração de posse de parte da área, que estaria sobreposta ao território da Reserva Biológica Sassafrás, distante a aproximadamente 200 quilômetros de Florianópolis.

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