O julgamento de ações da chamada “pauta verde” no Supremo Tribunal Federal (STF) resultou em uma determinação para que o Congresso Nacional destine recursos extras para o combate ao desmatamento na Amazônia. Duas das ações nessa área, movidas por partidos de esquerda em 2020, foram julgadas na semana passada. Outras três ações, sobre prevenção e combate a incêndios no Pantanal e na Amazônia, foram julgadas na quarta-feira (20).
A determinação sobre a abertura de crédito extraordinário, proferida no julgamento das duas primeiras ações da “pauta verde”, não é inédita. Em oportunidades anteriores, a Corte já procedeu da mesma forma, indicando a necessidade de destinação de recursos do Orçamento em julgamentos relacionados a outros temas.
Um exemplo foi a decisão tomada na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 709/DF, que tratava da questão indígena diante da pandemia de Covid-19. Outro exemplo foi a ADPF 347, na qual o STF declarou o “estado de coisas inconstitucional” em relação ao sistema carcerário. Em resumo, em outubro de 2023, o Supremo apontou que os direitos dos presos estavam sendo violados no sistema prisional brasileiro e determinou que o governo federal elaborasse um plano para resolver diversas questões, tais como superlotação e tempo de prisão superior ao da pena.
Ainda que esse tipo de determinação por parte do STF não seja novidade, a decisão sobre a “pauta verde” foi recebida com surpresa por parlamentares ligados ao agronegócio e por advogados especializados em Direito Ambiental. Para o presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), deputado Pedro Lupion (PP-PR), “não é porque decisão similar já ocorreu que deva ser naturalizada”.
Na avaliação do advogado Georges Humberto, pós-doutor em Direito e presidente do Instituto Brasileiro de Direito e Sustentabilidade (Ibrades), a determinação, pelo Poder Judiciário, de abertura de créditos no Executivo, é mais uma “usurpação de competência decorrente do ativismo judicial, da inércia do Legislativo e da falta de responsabilização dos magistrados”.
Por outro lado, parlamentares ambientalistas não consideraram a medida uma interferência do Judiciário sobre o Legislativo. O presidente da Frente Parlamentar Ambientalista na Câmara, deputado Nilto Tatto (PT-SP), apontou que não se trata de intervenção indevida do STF, tampouco de julgar que as ações propostas e executadas pelo governo Lula não têm sido suficientes.
“Nesse caso, também não se trata de intervenção, e sim o impedimento de que o Poder Executivo atue em inconstitucionalidade, ao renunciar [de] suas prerrogativas impostas pelas funções do Ministério do Meio Ambiente de atuar em prol do meio ambiente”, opinou Tatto.
Já o advogado e consultor jurídico da BMJ Consultores Associados, Lui Fortes, pontuou que se trata de “medida extraordinária”. “Muitas vezes, o STF entende que impor tal obrigação representaria intervenção direta do tribunal nos demais poderes”, explica Fortes.
Partidos cobravam governo Bolsonaro por falta de ações na Amazônia
Ao protocolar a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 760 e a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 54 no STF, os partidos de esquerda alegaram que o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) abandonou, a partir de 2019, a política de prevenção e controle do desmatamento, prevista no Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm).
Nas ações, o Partido Socialista Brasileiro (PSB), a Rede Sustentabilidade, o Partido Democrático Trabalhista (PDT), o Partido Verde (PV), o Partido dos Trabalhadores (PT) e o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) pleiteavam a declaração de “estado de coisas inconstitucional”, que ocorre quando há grave, generalizada e prolongada violação a direitos previstos na Constituição, em razão da falta de ação dos órgãos públicos responsáveis.
Ao julgar as ações agora em 2024, os ministros do STF, no entanto, negaram o pedido de reconhecimento de violação massiva de direitos fundamentais – o estado de coisas inconstitucional – na política ambiental brasileira. “Isso porque a Corte reconheceu que, embora ainda não esteja concluído, está em curso, desde o ano passado, um processo de retomada pelo Estado brasileiro do efetivo exercício de seu dever constitucional de proteção do bioma amazônico”, afirmou o STF em nota sobre o julgamento.
Em seu voto, o ministro Alexandre de Moraes reforçou o entendimento sobre a retomada das ações de combate ao desmatamento na gestão petista e lembrou uma frase dita pelo ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles. “A partir do momento em que condutas governamentais são praticadas, houve uma inflexão do Poder Executivo no sentido de estancar a boiada (como era dito por um ex-ministro do Meio Ambiente) e a partir disso tratar o meio ambiente com a seriedade necessária”, afirmou Moraes.
Decisão do STF sobre “pauta verde” estabeleceu prazos para apresentação de cronograma
Na decisão sobre as ações julgadas na semana passada, por unanimidade, o plenário do STF determinou que a União tome providências para reduzir o desmatamento na Amazônia Legal para a taxa de 3.925 km anuais até 2027 e a zero até 2030.
Assim, o STF determinou que o governo federal deverá apresentar um cronograma para prever diretrizes, objetivos, prazos e metas para o atendimento dos resultados dos Eixos Temáticos do PPCDAm, em níveis suficientes para a diminuição efetiva e contínua dos níveis de desmatamento ilegal na Amazônia. O tribunal também determinou a realização de relatórios trimestrais que demonstrem o efetivo cumprimento do cronograma.
Já no julgamento das Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs) 743, 746 e 857, o STF decidiu que a União tem 90 dias para apresentar plano de prevenção e combate a incêndios no Pantanal e na Amazônia, com monitoramento, georreferenciamento, metas e estatísticas.
Além disso, a União deve elaborar um plano de recuperação da capacidade operacional do Sistema Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais e um plano de ação com medidas concretas para processamento das informações prestadas ao Cadastro Ambiental Rural (CAR).
Oposição aponta interferência e prejuízo na construção de políticas públicas
A decisão do STF no julgamento das ações da “pauta verde” foi entendida como uma interferência do Judiciário no Legislativo por parlamentares ligados ao agronegócio e de oposição ao governo Lula.
O motivo é a determinação ao Congresso Nacional para a abertura de crédito extraordinário no exercício financeiro de 2024 para assegurar a continuidade das ações governamentais. Além da destinação de recursos extras, os ministros também vetaram o bloqueio orçamentário de recursos dos programas de combate ao desmatamento já em andamento.
O presidente da bancada do agronegócio, Pedro Lupion, destacou que tal medida pode inclusive prejudicar a construção de políticas públicas. “As medidas governamentais que devem ser tomadas para o adequado combate ao desmatamento necessitam do devido debate legislativo quando da elaboração do Orçamento. Surpresas como essas, determinadas pelo STF, prejudicam a própria construção de políticas públicas”, disse o deputado paranaense.
No mesmo sentido, o deputado Evair de Mello (PP-ES) destacou a necessidade de debate sobre a destinação de recursos. “É fundamental que haja um debate legislativo apropriado ao elaborar políticas públicas, especialmente quando se trata do orçamento e das ações governamentais relacionadas ao combate ao desmatamento”, disse.
Lupion também questionou a medida diante da crise vivida por produtores rurais, devido à perspectiva de quebra de safra e dos baixos preços pagos pela produção. “[Essas medidas acabam] impactando, por exemplo, na necessária e urgente criação de uma saída para a crise dos produtores rurais com a queda no preço da produção e a manutenção do alto custo de produção. O STF também determinará a abertura de crédito extraordinário para socorrer o agricultor?”, disse o presidente da FPA.
O deputado Luiz Phillipe de Orleans e Bragança (PL-SP) também opinou que se trata de uma interferência do Judiciário. “Essa determinação da Corte […] é claramente uma interferência nas competências do Poder Legislativo em nome da Agenda 2030. A independência dos poderes está em jogo quando o Judiciário assume o papel de legislador, governante e mau julgador”, disse.
Fonte: Gazeta do Povo