A PEC do Quinquênio (10/2023) em discussão no Senado Federal pode aumentar em ao menos R$ 67,3 milhões, ao ano, as despesas remuneratórias do Judiciário cearense. A “valorização” prevê a concessão de um acréscimo de 5% sobre o subsídio de desembargadores, juízes, procuradores e promotores de Justiça a cada cinco anos pelo “efetivo exercício em atividade jurídica”. O limite da bonificação seria de 35%.
No Brasil, o impacto fiscal inicial previsto da gratificação é de R$ 5,2 bilhões por ano para custear mais um penduricalho do Poder Judiciário fora do teto constitucional de salários do funcionalismo público — atualmente, é de R$ 44.008,52, valor da remuneração-base de um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). Ou seja, a quantia não sofreria retenção se ultrapassasse o teto.
No Ceará, a estimativa da gratificação foi feita pelo Diário do Nordeste com base na mesma metodologia aplicada pela IFI. No entanto, o levantamento considerou apenas os membros ativos do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) e do Ministério Público do Estado (MPCE), uma vez que a reportagem não localizou informações sobre o tempo de serviço de magistrados cearenses aposentados. Por isso, optou por não considerar também o mesmo grupo do MPCE.
Como a PEC prevê a aplicação do benefício pelo “efetivo exercício em atividade jurídica”, o tempo de serviço dos membros do Judiciário cearense em carreiras anteriores, como advogados, por exemplo, não foram analisados. Dessa forma, o impacto de R$ 67,3 milhões é o mínimo previsto em um ano no Estado, caso o quinquênio seja aprovado.
O cálculo da reportagem considerou o salário-base em vigor desde fevereiro deste ano na folha salarial dos cargos analisados, observando inclusive as diferenças remuneratórias entre desembargadores, juízes de entrância final, entrância intermediária, entrância inicial, no caso do TJCE, e de procuradores, promotores de justiça de entrância final, entrância intermediária e entrância inicial, no caso do MPCE, bem como o tempo de serviço individual de cada um nos respectivos órgãos de Justiça.
Os dados foram retirados dos portais da transparência das instituições, considerando 449 membros ativos do MPCE e 473 do TJCE — neste último, havia 502 na tabela acessada em maio deste ano, mas 29 já tinham encerrado o vínculo empregatício.
Vale ressaltar que o quantitativo de membros, com especificidade de atuação e tempo de serviço, foi solicitado aos dois órgãos, mas apenas o MPCE respondeu indicando o local para acessarmos as informações sobre ativos e inativos. Já a assessoria do TJCE alegou que “não há filtro que realize a extração dos dados solicitados” mediante a especificidade do pedido. Porém, a reportagem identificou as informações sobre os ativos no portal da transparência da Corte.
Veja abaixo as projeções de acréscimos de despesa feitas pelo Diário do Nordeste.
Impacto financeiro do Quinquênio ao ano
- TJCE: R$ 34.092.465,24
- MPCE: R$ 33.271.757,40
Total: R$: 67.364.222,64
Em 2023, a despesa com remuneração do judiciário cearense somente com membros ativos foi de cerca de R$ 300 milhões com cada órgão, considerando salário e gratificações.
O vencimento básico mensal de cada um deles, sem gratificações, é de:
TJCE
- Desembargador: R$ 39.717,69
- Juiz de Direito de Entrância Final: R$ 37.731,80
- Juiz de Direito de Entrância Intermediária: R$ 35.845,21
- Juiz de Direito de Entrância Inicial: R$ 34.052,95
MPCE
- Procurador de Justiça: R$ 39.717,69
- Promotor de Justiça de Entrância Final: R$ 37.731,80
- Promotor de Justiça de Entrância Intermediária: R$ 35.845,21
- Promotor de Justiça de Entrância Inicial: R$ 34.052,95
Justiça mais cara do mundo
Levantamento divulgado pelo Tesouro Nacional em janeiro deste ano mostrou que a Justiça brasileira é a mais cara do mundo em relação ao Produto Interno Bruto (PIB). A despesa da União com “Tribunais de Justiça” representa 1,61% do PIB. Num comparativo com 53 países, o Brasil se destacou, sendo a mais alta. A média global de gasto com o Judiciário é de 0,37% do PIB dos países, conforme a pesquisa. O estudo considerou o custo com o Judiciário em 2021, incluindo MPs e tribunais estaduais e federais e de instâncias superiores, como o STF.
Doutor em Direito Econômico e professor universitário de Economia, Bruno Carazza explica que a PEC do Quinquênio quer ressuscitar um benefício já extinto do Poder Judiciário com a justificativa de que o penduricalho é necessário para que os membros queiram continuar no funcionalismo público, tendo em vista as altas remunerações que a atuação na esfera privada pode proporcionar. O benefício foi extinto em 2006.
Todavia, ele ressalta que, quando um magistrado é questionado se sairia do Poder Judiciário, a resposta quase sempre é negativa.
Para Carazza, se o Congresso insistir nessa pauta pode estar “dando um tiro no próprio pé”, já que a sociedade tem questionado muito “esse padrão do Poder Judiciário”.
“O País tem outras prioridades, a gente tem uma situação fiscal muito grave e não faz nenhum sentido você conceder mais esse benefício para uma carreira que já é tão bem remunerada no Brasil”, acrescenta.
Autor da estimativa feita pela IFI, o analista Alessandro Casalecchi explica que o impacto do quinquênio pode ser ainda maior, já que o cálculo do estudo considerou apenas o tempo de exercício dos beneficiários nos órgãos em que estão atualmente, sem levar em consideração atividade jurídica anterior.