Não é de hoje que os tentáculos do Primeiro Comando da Capital (PCC) e do Comando Vermelho (CV) se expandem para além das fronteiras. Um documento produzido pela Agência Brasileira de Inteligência, contudo, revela um aspecto preocupante dessa abrangência internacional. Os segredos envolvendo as duas facções criminosas, segundo a Abin, têm potencial de “impactar as relações diplomáticas do Brasil com países vizinhos”. O abalo ocorreria se vazadas informações, coletadas por investigadores, envolvendo a atuação de PCC e CV na rota da cocaína. A maior parte vem da Bolívia, onde a substância é considerada “mais pura”, e da Colômbia. As facções, contudo, também recorrem a outras nações da América do Sul para fazer a droga chegar ao Brasil.

Para preservar a relação diplomática com esses países e a segurança de agentes neles infiltrados, a Abin quebrou um protocolo e passou a instaurar a política do sigilo até mesmo para os relatórios desclassificados. Isto é, para aqueles que, por força do tempo, poderiam agora se tornar públicos.

Ao implementar a medida, a Abin ressaltou que PCC e CV atuam com a “execução planejada de agentes públicos, inclusive federais”. E, sem citar qual, disse que uma dessas organizações tem “larga envergadura e potencial econômico considerável”.

A iniciativa da agência foi chancelada pela Secretaria-Executiva da Casa Civil da Presidência da República. O órgão considerou que o vazamento das apurações “acarretaria risco à segurança dos servidores da Abin, assim como de órgãos parceiros, decorrentes do perfil de ameaça do objeto de interesse da Inteligência: organizações criminosas altamente estruturadas, cuja atuação recente é marcada pela execução planejada de agentes públicos, inclusive federais, dentre diversas outras formas de manifestação violenta”.

“Neste caso, o sigilo específico destas informações persiste independentemente do vencimento do prazo de classificação, em observância ao princípio da Supremacia do Interesse Público”, justificou a Presidência da República.

O Planalto informou, ainda, que o vazamento de informações sobre PCC e CV “exporia e comprometeria atividades operacionais de inteligência e meios técnicos adotados, pois o tema demanda contínuo acompanhamento por parte da Inteligência de Estado, considerando que a ação do crime organizado em todo o país representa, atualmente, uma das principais ameaças à sociedade e ao Estado brasileiros.”

“Ademais, a Agência registrou que o trabalho de Inteligência precede ações de segurança pública realizadas pelas instituições policiais e de Justiça, e que, portanto, eventos acompanhados há cinco ou dez anos têm grande probabilidade de serem objeto de inquéritos e ações judiciais do tempo presente. Assim, a divulgação de tal tipo de informação tem o condão de por em risco a proteção de testemunhas e depoentes em inquéritos policiais e processos judiciais atualmente em curso, decorrentes de ações pretéritas ou perenes”.

Prisão na Colômbia

O PCC tem dominado a região de de Putumayo, na Colômbia. Por ali, alcançou o Equador, abrindo rotas de tráfico pelo Oceano Pacífico e expandindo seus negócios com a Ásia, antes firmados por meio das parcerias da facção com organizações da África.

Em janeiro deste ano, um dos principais matadores conhecidos do PCC foi preso na Bolívia, o que demonstra a importância do país vizinho nas atividades da facção. Elvis Riola de Andrade, conhecido como “O Cantor”, foi preso em Santa Cruz de la Sierra a partir da informações passadas pelas autoridades brasileiras.

Assim como o cartel mexicano Los Zetas, CV e PCC operam na Bolívia em parceria com clãs locais, as “famílias” de traficantes que operam em todo o país.

Na América do Sul, CV e PCC atuam principalmente na Bolívia e Colômbia, tradicionais produtores de cocaína. Na Colômbia, as duas facções mantêm relações com ex-membros das Forças Armadas Revolucionárias (Farc).

O próprio Fernandinho Beira-Mar, líder do CV, foi preso pelo Exército colombiano em 2001, quando era o traficante mais procurado do Brasil. Já Marcola, chefão do PCC, foi preso em Fortaleza, em 2016.

O mapeamento das autoridades brasileiras aponta que a cocaína colombiana que abastece as duas facções cruza o rio Vaupés, na fronteira entre os dois países, e chega ao Amazonas, por onde é conduzida pelo Rio Negro até ser entregue aos integrantes do CV e PCC. Em seguida, a droga é levada para Manaus, de onde é distribuída para o mercado interno e externo.

á as rotas do comércio ilegal de armas para as facções brasileiras passa por países como o Peru e Argentina. A conhecida “Rota do Solimões”, que atinge também a Venezuela, abastecia de armas e drogas a facção paulista para suprir o mercado da região Norte do Brasil e parte das regiões Centro-Oeste e Nordeste, assim como da Europa. Hoje a Rota do Solimões é dominada pela facção Família do Norte (FDN).

Na Argentina, as facções brasileiras começaram a se expandir com mais velocidade a partir de 2019. Naquele ano, cerca de 200 milhões de dólares em armas que seriam destinadas ao CV e PCC foram apreendidas pela polícia argentina. As armas chegariam ao Brasil pela cidade de Pedro Juan Caballero, na fronteira do Paraguai com o Mato Grosso do Sul.

Em fevereiro deste ano, o maior fornecedor de armas das facções brasileiras foi preso na Argentina. Diego Hernan Dirísio foi detido pela Interpol em Córdoba. Em dezembro de 2023, a Polícia Federal havia aberto um pedido de captura internacional em “alerta vermelho” contra Dirísio, como parte da Operação Dakovo, que investiga o esquema multimilionário de tráfico internacional de armas para a América Latina.

Já na Europa, o principal eixo de atuação das facções brasileiras é Portugal. Um relatório divulgado pelo Serviço de Informações de Segurança (SIS) do país europeu em novembro de 2023 apontou a presença de pelo menos 1.000 brasileiros ligados ao CV e PCC em Portugal. Nas prisões portuguesas, pelo menos 20 integrantes do PCC estão detidos por tráfico.

A facção paulista também teria relações na Itália. O elo entre a principal máfia italiana, a ‘Ndrangheta, foi identificado em uma investigação internacional sobre o contrabando de armas e drogas. As apurações se estenderam por dois anos e envolveram forças policiais de quatro países da Europa.

Elas apontaram que o PCC e a ‘Ndrangheta são responsáveis por negociar diretamente a exportação da maior parte da cocaína que sai da América do Sul para a Europa.

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