O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) está prestes a aprovar, nesta segunda-feira (23), antevéspera de Natal, a resolução discutida no órgão há meses, de forma sigilosa, que promove o aborto em meninas com menos de 14 anos que engravidaram. A nova minuta, agora, contempla o oferecimento à criança dessa solução, ainda que com menor ênfase que o aborto, quase sempre tratado como uma alternativa melhor para preservar a vida e a saúde da menina.
Após críticas de entidades e parlamentares pró-vida, e de resistência do próprio governo, a cúpula do conselho elaborou uma nova versão do texto, mais detalhada e robusta que a minuta inicial, e obtida com exclusividade pela Gazeta do Povo.
A primeira versão da resolução, publicada pela Gazeta do Povo em outubro, consolidava a possibilidade de aborto até os 9 meses de gravidez. Previa ainda que, assim que comunicada a situação de abuso e violência sexual (no caso de meninas com menos de 14 anos, o estupro é presumido, ainda que a relação tenha sido consensual), a criança seria rapidamente levada para um serviço de saúde que realizasse o aborto.
Não haveria necessidade de boletim de ocorrência denunciando o estupro, tampouco decisão judicial autorizando o procedimento nesses casos. Até o conhecimento e consentimento dos pais ou responsáveis legais seria dispensável, pela minuta inicial. A nova versão prevê a tentativa de incluí-los no processo decisório, mas ainda assim permite que a criança decida sozinha pelo aborto, após receber orientação profissional.
O texto inicial não falava na possibilidade de oferecer à menina grávida a opção de levar a gravidez adiante, com assistência médica adequada, para que depois entregasse o bebê para adoção, caso não quisesse criar um filho ou uma filha.
Aborto “legal” como “direito humano”
Pela lei brasileira, o aborto é um crime contra a vida, mas deixa de ser punido, no Código Penal, quando “não há outro meio de salvar a vida da gestante” e quando “a gravidez resulta de estupro e é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal”. Ou seja, pela lei, uma menina só pode fazer o aborto com aval do responsável.
Em 2012, o Supremo Tribunal Federal abriu outra exceção: quando o feto sofre de anencefalia, caracterizada pela ausência da calota craniana, de difícil diagnóstico na fase intrauterina.
Sutilmente, o Conanda tenta ir além e inclui como hipótese de “aborto legal” a eliminação de fetos “incompatíveis com a vida” – não se esclarece se essa expressão abre a porta para o aborto de fetos com outras deficiências.
Na resolução proposta, em todas essas situações excepcionais, o aborto é tratado como um “direito humano”. “O aborto legal é um direito humano de crianças e adolescentes vítimas de violência sexual, estando diretamente relacionado à proteção de seus direitos à saúde, à vida e à integridade física e psicológica, bem como ao pleno exercício de sua cidadania”, diz o texto.
A nova minuta é composta de 37 artigos, divididos em cinco capítulos (“Do Atendimento a Crianças e Adolescentes Vítimas de Violência Sexual”; “Dos Direitos de Crianças e Adolescentes Vítimas de Violência Sexual”; “Da Adoção de Medidas de Proteção, da Notificação Compulsória e das Comunicações Externas”; “Da Proteção Integral, do Poder Familiar e do Consentimento”; e “Do Acesso à Justiça e do Enfrentamento à Violência Psicológica e Institucional”).
O documento obtido pela reportagem, nos quais as normas ocupam 17 páginas, e a justificativa, outras 8, foi costurado a várias mãos nos últimos dois meses após a repercussão negativa, no governo e no Congresso, da primeira versão, mais enxuta.
Desde então, representantes do governo dentro do órgão têm tentado adiar a apreciação, por temer má repercussão política e na opinião pública em geral. Enquanto isso, no Legislativo, parlamentares conservadores tentam impedir que o Conanda legisle sobre o tema e aprovar uma proposta de emenda à Constituição que acaba com as permissões legais do aborto.
O empenho pela aprovação da resolução é maior entre os integrantes do Conanda que representam movimentos sociais, ONGs e pesquisadores. A reportagem entrou em contato com a presidência do órgão, nesta quinta-feira (19), para questionar sobre tramitação da proposta e se há consenso para aprovação. Diferentemente de outras minutas de resolução do Conanda, a do aborto não foi submetida a consulta pública para recebimento de sugestões.
Não houve resposta aos questionamentos, enviados por e-mail. O espaço permanece aberto para manifestação do órgão e esclarecimentos sobre os pontos da atual versão da proposta.
Fonte: Gazeta do Povo