A Previdência Social brasileira dá passos (cada vez mais largos) rumo ao colapso. De acordo com estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o País tinha, em 2022, menos de dois (1,97) contribuintes por beneficiário, considerando todos os regimes previdenciários e o Benefício de Prestação Continuada (BPC). Olhando para o Ceará, a proporção é ainda mais alarmante, já que no Estado há 1,11 contribuinte para cada beneficiário, também conforme o Ipea. O dado considera um total de 1.467.333 beneficiários locais e 1.632.554 contribuintes, sendo esse último número a média mensal de contribuintes no ano de 2022. Entre 2012 e 2022, o Ceará ganhou 227 mil contribuintes para a Previdência Social, variação de 16,2% em 10 anos.
Olhando para os outros estados do Nordeste, o ritmo de crescimento ficou abaixo, em termos percentuais, do Maranhão, Paraíba e do Piauí. Veja o ranking Piauí: 23,1% Paraíba: 20,3% Maranhão: 17% Ceará: 16,2% Rio Grande do Norte: 15,4% Sergipe: 13,2% Alagoas: 12,4% Pernambuco: 8,2% Bahia: 7,4% Fonte: Ipea O que explica o cenário Dentre os aspectos que explicam esse cenário está o desemprego no País nos últimos dez anos até 2022.
O Instituto descreve o período como “marcado por apenas moderado incremento no contingente de contribuintes, tendo em vista o fraco desempenho da economia brasileira e do mercado de trabalho, notadamente desde 2015”. “O país sofreu forte recessão em 2015-2016, bem como crise aguda durante a pandemia de covid-19 em 2020, com posterior recuperação em 2021 e 2022. Esses acontecimentos afetaram adversamente o mercado de trabalho e dificultaram o crescimento do total de contribuintes da previdência social no período, situando-o abaixo do incremento observado para o estoque de benefícios e de beneficiários”, pontua o Ipea.
Atrelado à piora da economia e do mercado de trabalho formal na década em questão está a informalidade, que também se relaciona com o desequilíbrio entre beneficiários e contribuintes. “Um dos determinantes dessa relação deteriorada, especialmente no RGPS, passa pela não contribuição previdenciária de parte da população pertencente à força de trabalho, quadro que decorre não apenas da informalidade e da precariedade ocupacional, mas também do desemprego e da inatividade”.
O documento destaca que mais da metade da população (55,5%) em idade tradicional de trabalhar (homens de 20 a 64 anos e mulheres de 20 a 61 anos) não estava contribuindo para a previdência social em 2022. Rombo na Previdência O advogado previdenciário Renato Soares lembra que existe uma previsão de rombo de cerca de R$ 276 bilhões na Previdência Social, “equivalente a 2,6% do Produto Interno Bruto”. “Para se ter uma ideia, em 2060 essa projeção aumenta para quase R$ 3 trilhões, o que representa quase 6% do PIB”, alerta.
Ele acredita que há uma desatualização nas regras da previdência, o que contribui para esse cenário. “Outro fator é a idade avançada dos inativos, que estão vivendo mais e aí o custo do benefício vai durando até que esse aposentado faleça. Se não tivermos mudança nessa regra previdenciária, vai ficar inviável e o INSS pode quebrar. Precisamos de uma reforma no sistema previdenciário, verificação das alíquotas em cada faixa de salário. São medidas que atenuariam essa situação”.
As alíquotas de contribuição para a Previdência Social atualmente variam entre 7,5% e 14% para segurados empregado, empregado doméstico e trabalhador avulso. No caso dos segurados e beneficiários de regime próprio de previdência da União, a alíquota varia de 7,5% a 22%. Veja as alíquotas Empregado, empregado doméstico e trabalhador avulso Até R$ 1.412: 7,5%; De R$ 1.412,01 até R$ 2.666,68: 9%; De R$ 2.666,69 até R$ 4.000,03: 12%; De R$ 4.000,04 até R$ 7.786,02: 14%. Segurados e beneficiários do Regime Próprio de Previdência Social da União Até R$ 1.412,00: 7,5%; De R$ 1.412,01 até R$ 2.666,68: 9%; De R$ 2.666,69 até R$ 4.000,03: 12%; De R$ 4.000,04 até R$ 7.786,02: 14%; De R$ 7.786,03 até R$ 13.333,48: 14,5%; De R$ 13.333,49 até R$ 26.666,94: 16,5%; De R$ 26.666,95 até R$ 52.000,54: 19%; Acima de R$ 52.000,54: 22%.
Questionado se a recente Reforma da Previdência foi falha no objetivo de evitar um colapso, Soares diz que houve uma tentativa. “Tivemos a diminuição dos períodos de pagamento da pensão por morte, mudança do coeficiente de cálculo da aposentadoria por tempo de contribuição, aumento da idade mínima das mulheres na aposentadoria por idade, então foi tentado, sim, houve uma diminuição de custos, mas o grande problema fica por conta da contribuição em si, que já não alcança os gastos da previdência”.
Presidente da Comissão de Direito Previdenciário da Ordem dos Advogados do Brasil no Ceará (OAB-CE), João Ítalo Pompeu corrobora que o risco de colapso da previdência foi um dos motivos para a reforma. “Mais ainda assim permanece essa tendência de mais aposentados e menos gente trabalhando, exceto se houver um quadro de mais pessoas trabalhando”, explica, reforçando que o aumento do desemprego e do envelhecimento populacional resultou na proporção verificada no estudo.
“Em tese, quando foi criado o sistema previdenciário, deveria ser assim: as pessoas que trabalham pagam contribuição para manter as pessoas que estão aposentadas, tendo bem mais pessoas trabalhando do que aposentadas, mas a tendência é que, com o envelhecimento da população, tenhamos cada vez mais pessoas aposentadas, mais pessoas recebendo benefício e cada vez mais, pelo desemprego, pessoas que não estão trabalhando e contribuindo”, diz Pompeu.
Situação ao longo dos próximos anos O estudo do Ipea faz projeções da relação entre beneficiário e contribuinte para as próximas décadas. Em 2030, a relação no País é de 1,60 contribuinte para cada um beneficiário. O instituto classifica o ritmo de expansão no número de contribuintes como insuficiente. “Portanto, tanto a análise da evolução passada como a projeção para as próximas décadas, apresentam um quadro em que predomina um ritmo insuficiente de expansão no quantitativo de contribuintes para fazer frente ao financiamento da despesa associada ao crescente estoque de benefícios ou beneficiários, em especial, devido ao rápido e intenso processo de envelhecimento populacional”, diz o Ipea. Diante dos números, o instituto destaca que é fundamental um debate mais profundo e com visão de médio e longo prazo sobre o tema, “com fortalecimento ou adequação de estratégias de financiamento do gasto social, diante de uma esperada pressão crescente sobre o custeio da seguridade social nas próximas décadas”.
Fonte: DN